quarta-feira, 18 de agosto de 2010





Um menino sujo e maltrapilho, que poderia ser qualquer menino que vai às
ruas de Copacabana ou do centro da cidade à procura do mundo, da vida, das
luzes, olha a cidade e nos lança a pergunta: e se essa rua fosse minha?
A pergunta daquele menino é por si a metáfora da utopia de milhares de
crianças abandonadas, pequenos sujeitos-em-formação que vivenciam
cotidianamente a negação da vida, sob a imposição da lógica do capital. De
quem é essa rua? O compromisso político/afetivo com essa meninada significa o
compromisso com seus sonhos e necessidades materiais, isto é, com a sua
235
utopia intrínseca, vivenciada no desejo de um mundo diferente, livre da
exploração, onde a vida possa se dar com dignidade. Esse desejo de uma vida
digna existe hoje, na sua forma negada, como revolta pelas condições de vida
impostas às crianças das classes populares nos grandes centros urbanos do
Brasil e do mundo.
Perante a pergunta daquele menino - negro, nordestino ou índio e sempre
descalço, expressão extrema da crueldade da subalternização da vida
- ...perante essa interrogação sem resposta que nos empurra para o horror da
infância abandonada e criminalizada, da privatização do espaço público e da
negação do espaço de todos como espaço de ninguém, e que faz os meninos de
rua e os sem rua - trancados em apartamentos ou amarrados ao televisor-, o
que responder?
O Se Essa Rua respondeu com a magia e a rigorosidade do fazer criativo. Sua
resposta foi o Circo e pelo seu compromisso com a mudança o chamou de Circo
Social. Ancorado na tradição do pensamento social de Nuestra América, escolhe
o Circo como ação e como metáfora da sua utopia e da sua proposta, como
modo de dizer e fazer. A metáfora circo como um elemento aglutinador do
imaginário abandonado da humanidade; o circo como lugar dos outros, como
templo da alteridade negada pela razão moderna/colonial; o circo desafio, risco
e transformação, o circo que nos diz que tudo pode e será possível, que o
fantástico e o impossível são apenas aquilo que ainda não fizemos. E o circo
acolhe o horror e o nega dizendo: “ali tem vida, possibilidade, utopia”. Reinventa
a impossibilidade, transformando-a em fazer criativo e extrai da dor social
poesia.
236
A metáfora menino, a metáfora e se essa rua fosse minha, a metáfora circo nos
falam abertamente da contradição do capital em uma das suas formas mais
aviltantes: crianças filhas de trabalhadoras e trabalhadores sem condições
mínimas de subsistência que moram nas ruas da cidade, crianças às quais o
Estado e a sociedade só dão atenção quando colocadas como uma ameaça atual
ou potencial, crianças que, no entanto, demonstram, quando têm oportunidade,
um enorme potencial criador transformador.



Autor: Claudio Andrés Barría Mancilla

Nenhum comentário:

Postar um comentário

; )